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“O indivíduo que se sinta em paz, que esteja acompanhado, conviva e tenha na sua vida amor, não só de uma mulher ou de um homem, mas também de amigos e família, está mais protegido...” adiantou ao Correio da Manhã (14.02.02) o Dr. Manuel Carrageta, Presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia.

Também o Dr. Dean Ornish no seu livro “Love & Survival” afirma que a doença coronária, cancro e outras, até mesmo a duração da vida, são influenciadas positiva ou negativamente pela quantidade e qualidade das nossas relações com os outros.

Relação exige a interacção de pelo menos duas pessoas. Os seres humanos são em si mesmos seres relacionais. O isolamento é desumano e desumanizante. Sem comunicação e sem afecto a pessoa sofre. No entanto, num mundo cada vez mais global e sobretudo nos meios urbanos, é um sentimento crescente. Em transportes públicos apinhados e com meios de comunicação ultra-rápidos e apesar das técnicas disponíveis, o tempo para a relação com o outro é cada vez menor. A solidão no meio da multidão é dor que dói tanto quanto o silêncio do barulho ensurdece. E assim, limitada pelo excesso a pessoa desaprende a arte de comunicar-se. A relação implica dar-se e respeitar-se, receber e respeitar e essas são tarefas geradoras de conflito. A comunicação e a partilha de emoções são indispensáveis a uma relação saudável. A capacidade de ouvir e aprender com o outro na resolução de conflitos fazem a qualidade da relação.

Isabelle Filliozat, diz no seu livro “Inteligência do Coração” que “Se não permitirmos que os outros entrem no nosso coração, afastamo-nos deles” e “ Conservar o coração aberto de cada vez que podemos ter vontade de fechá-lo é uma maneira não só de proteger a relação mas de crescer pessoalmente”.

Manter, assim, uma relação viva e em bom estado de saúde, é fundamental para a felicidade e sentido de ralização pessoal.

Assistimos, no entanto, ao desmoronar de relações que se acreditava serem duradouras. A revista Nova Gente, de 19 de Fevereiro último publica, num artigo sobre o divórcio, números do Instituto Nacional de Estatística que nos dão conta da evolução desta saída para relações de conflito, que ao que parece, cada vez mais se apresenta como uma opção para os portugueses. Entre 2001 e 2002 registou-se uma quebra no número de casamentos de 23% e um acréscimo do número de divórcios em 7,3%. Se compararmos estes números com os referentes a 1991 registamos um decréscimo de 37% no número de casamentos e um aumento de 92% no número de divórcios.

É claro que há toda uma conjuntura de mudança sócio-cultural que explica estas diferenças de comportamento face ao casamento.

Tal como disse Archibald Macleish (conforme citado por John Powell no seu livro “Amor Incondicional”), “A crise do nosso tempo, como lenta e dolorosamente começamos a perceber, é uma crise não das mãos, mas do coração”.

O aumento do número de divórcios pode ser uma falsa questão. Se pensarmos na qualidade de muitas e muitas relações de sofrimento e de flagelação mútua a que por medo ou por conveniência social muitas pessoas se sujeitam, que é isso senão divórcio dos sentimentos? E se pudéssemos também contabilizar esses números?

As mulheres são, maioritariamente, quem solicita o divórcio. Isso acontece hoje mais do que no passado porque as suas condições sociais se alteraram, não porque sejam hoje mais infelizes do que ontem. Têm perspectivas diferentes, valorizam-se mais e desempenham múltiplos papéis, dentro e fora de casa. Muitas vezes são financeiramente independentes e já descobriram, pela experiência de vida alargada por um casamento mais tardio, que podem sobreviver sozinhas. Mas, convém lembrar que quando um divórcio acontece, é um ponto final de um texto que desde há muito vem sendo escrito com lágrimas e dor, muita dor. É o tombar de todas as expectativas alimentadas ao casar, de um sonho feliz e cor-de-rosa em que haveria autenticidade na relação, o outro iria torná-los felizes, seriam amados e compreendidos e teriam as suas necessidades supridas. E porque a relação está centrada em si mesmo e naquilo que pode receber, essas expectativas são finalmente defraudadas. “Enquanto tivermos necessidade do outro para preencher os nossos vazios, aquilo a que chamamos amor é um jogo de palavras tipo Canadá Dry – parece-se com o amor, tem o sabor do amor, mas não é amor. Amar é abrir-se à realidade do outro, tal como ele é, sem procurar modelá-lo segundo as nossas expectativas, é encorajá-lo no seu caminho (...) respeitando e exprimindo as nossas próprias necessidades...” Isabelle Filliozat, “Inteligencia do Coração”.

As pessoas desejam viver relações autênticas, reais, não aparentes – e isso é muito positivo. Mas é impossível construir sozinho uma relação assim. São precisos dois.

Quando Deus inventou o casamento, deu de imediato a essência que o tornaria possível: A unidade das partes.

“E deixará o homem o seu pai e a sua mãe e unir-se-á à sua mulher e serão os dois um só.” Génesis 2:24

Esta unidade não acontece pela absorção, em que um anula o outro que deixa de poder ser como pessoa. Acontece pela união, pela entrega de um ao outro em que cada qual continua a ser um Eu distinto que vive, que faz parte do nós e contribui para o seu desenvolvimento e crescimento. Ser um só significa compromisso com uma aliança que centraliza as opções no conjunto mais do que no individual, que deixa o egocentrismo e procura sinceramente a satisfação do outro mesmo que isso signifique o adiamento da gratificação própria, significa ouvir atentamente o que é dito com ou sem palavras, ser autêntico consigo mesmo e dispôr-se a ser em transparência com o outro, numa auto-revelação consciente. Uma relação de amor viva, autêntica, permite a cada um tornar-se a cada dia mais ele próprio. A alteridade do outro permite-nos o confronto connosco mesmo, com os nossos limites e sentimentos. E ajuda-nos a crescer. O amor integra o respeito. Auto-respeito e respeito pelo outro. Isso significa ver a pessoa tal como ela é, consciente da sua unidade e desejar que se desenvolva segundo os seus próprios desejos. É entrega a 100%. Ser um só significa amar sem condições. Um amor assim não acontece por acaso. Aprende-se, constrói-se, vive-se. E isso requer investimento.

Terá a igreja um papel preventivo em relação ao divórcio (entenda-se de sentimentos e não apenas civil)?

Que podem as igrejas fazer para ajudar os casais a investirem na sua relação?

Acções preventivas. Preventivamente, as igrejas podem ser agentes educativos para o casamento. A preparação dos namorados para o desenvolvimento de uma relação saudável e dos noivos para o estabelecimento de bases sólidas no casamento são acções fundamentais. Consulte o quadro nº. 1 para sugestões de conteúdos. O objectivo pode ser atingido usando o modelo de aconselhamento de casal, seminário, retiro ou conferência. Cada um deles tem vantagens e inconvenientes e deve ser escolhido de acordo com as características da igreja e grupo local.

Formação continuada. Retiros para casais, conferências de vida familiar, seminários e palestras sobre família são acções que, seguindo um plano de ensino adequado ao grupo alvo podem ajudar as famílias cristãs a crescerem relacional e individualmente. Além disso, podem ser óptimos meios de alcance e influência para amigos, vizinhos, colegas que ainda não frequentem as igrejas, pois família é um assunto que interessa a todos. Consulte o quadro nº. 2 para sugestão de conteúdos.

Apoio a casais e famílias. Os grupos de inter-ajuda são um modelo excelente para fornecer este tipo de apoio. Formados por um pequeno número de casais que assumem o compromisso de reunir-se num determinado dia, hora e local por um período de tempo limitado, de forma regular, ao longo de alguns meses e de guardar fielmente o sigilo sobre tudo o que for falado no grupo, têm um espaço de confiança que torna possível a partilha e o crescimento através da ajuda mútua, facilitada por um elemento cuja função é proporcionar as condições para que cada um se sinta livre para ouvir e ser ouvido. A criação de um gabinete de apoio familiar a que as pessoas sabem que podem recorrer para ajuda sobre qualquer questão sem serem censuradas, expostas ou condenadas, é outra forma de as igrejas prestarem serviço à comunidade.

E quando estão em situação de rotura? Que atitude deve ser tomada? A continuidade obrigatória da relação ( nem que seja por causa do ‘escândalo’!), ou o seu rompimento?

A igreja também aí tem a resposta. Não porque a vende ou impõe mas porque abre o espaço para que a encontrem. Para ajudar casais em crise é, em primeiro lugar, necessário acreditar que eles têm em si mesmos os recursos para a vencer e são capazes de encontrar o melhor caminho. É preciso, numa atitude de verdadeira aceitação e interesse genuíno, dispor-se a escutar, sem juízos de valores e sem tomar partido, e acompanhar o caminho que eles percorrem na re-descoberta do outro de si mesmos e possivelmente, do amor. Agindo como mediadores, facilitando a criação de um ambiente onde podem ser partilhados os sentimentos mais íntimos e perturbadores, onde seja possível despertar a sensibilidade de ouvir e de sentir-se ouvido, de perdoar e de sentir-se perdoado.

Nunca é tarde demais para aprender o amor. Ele é mais forte do que a ira, do que a mágoa e do que a dor. Quando lhe damos liberdade ele flui e lava tudo com perdão. A reconstrução de uma relação só é possível para quem aprende de verdade a arte de amar.

Quadro1

Sugestão para formação Pré – Matrimonial

Objectivo

Conteúdo

Compreender o propósito do casamento planeado por Deus

Princípios Bíblicos de Génesis 2: A necessidade de relação; interdependência e unidade.

Estabelecer as bases da relação

A relação com Deus e a relação com o outro. Semelhanças. A base do amor; a entrega, o perdão e a fidelidade

Aprender a comunicar

Princípios para comunicar em intimidade. Partilha de sentimentos. Obstáculos à comunicação.

Aprender a gerir conflitos

Princípios da resolução de conflitos

Reflectir sobre funções conjugais

Conceitos de papeis. Partilha de responsabilidades e tarefas.

Planear a gestão de recursos

Organização do tempo e gestão financeira

Planeamento familiar

Princípios e métodos de planeamento familiar

Discutir questões sexuais

O valor do sexo no casamento e do amor no sexo

Definir parâmetros de relacionamento com outros significativos

A relação com os familiares de origem após o casamento. As amizades individuais e o casal.

Reflectir sobre valores em educação

Princípios de educação dos filhos.

Quadro 2

Sugestão de planeamento de formação para casais

Objectivo

Conteúdo

Compreender o plano de Deus para o casamento

A unidade na entrega de 100%. A complementaridade. O respeito e a valorização mútua.

Desenvolver intimidade

Abrir-se para o outro e encontrar-se a si mesmo. Partilha de sentimentos.

Desenvolver a arte de comunicar

Princípios de comunicação. Escuta activa, ouvir atento

Desenvolver competências de resolução de conflitos

Compreensão. Empatia. Perdão. Condescendência. Sinceridade

Reflectir sobre funções conjugais

O marido e pai. A esposa e mãe.

Repensar a relação sexual

Desenvolvimento da intimidade sexual. Vivência de uma sexualidade liberta.

Reflectir sobre a responsabilidade e o privilégio dos pais como educadores

Competências parentais. Os filhos como “herança” de Deus e “flechas na mão do valente”.